domingo, 6 de novembro de 2011

PESQUISADORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL CRITICAM IDEIA DE AVALIAÇÃO EM PROGRAMA PARA PRIMEIRA INFÂNCIA DO GOVERNO FEDERAL


A proposta da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência (SAE) de criar e integrar políticas de atenção à primeira infância tem gerado intenso debate entre pesquisadores e profissionais da educação infantil. O ponto polêmico da discussão é a ideia de avaliar crianças de 0 a 5 anos (de creches e pré-escolas) com base em um modelo que já foi adotado pelo Rio de Janeiro, em parceria com a SAE.
Esse material quer exatamente avaliar crianças a partir de indicadores restritos, repetidos. Algo que já tinha sido deixado de lado”, afirmou Maria Letícia Nascimento, professora doutora da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora na área da sociologia da infância e da educação infantil.



Segundo a professora, medidas dessa natureza estavam em voga no país na década de 70, e já tinham deixado de lado pelos pedagogos, sendo retomada agora por economistas e gestores (leia entrevista com a pesquisadora). 



A SAE desenhou uma Política de Desenvolvimento Integral na Primeira Infância, que será executada com outros ministérios. Para apresentar publicamente essas iniciativas para a primeira infância, a SAE realizou nesta semana o Seminário “Cidadão do Futuro”. Foram discutidas políticas de promoção do desenvolvimento integral na primeira infância, de avaliação do desenvolvimento infantil, entre outras (veja a programação completa no site do evento). A proposta de criar um protocolo unificado é mencionada no documento divulgado no seminário.


Reação dos pesquisadores


Grupos de pesquisadores emitiram notas contra políticas públicas com esse caráter de investimento, que pode ser visualizado na declaração da secretária municipal da Educação do Rio de Janeiro, Claudia Costin, durante o Seminário: “a creche agrega valor à criança que consegue se desenvolver conforme os padrões internacionais estabelecidos” – veiculou


Em dois dias de debate, enfatizou a Maria Letícia, poucos pedagogos foram ouvidos, em um mar de economistas, administradores, políticos e cientistas de várias áreas. Em especial, o assunto de avaliação discutido no Seminário vem de proposta aplicada previamente no Rio de Janeiro – e que vem sendo alvo de intensas críticas de pesquisadores, como Maria Letícia.

Chamado de ASQ-3, o método avaliativo adotado no município do Rio de Janeiro em parceria com a SAE é aplicado em crianças de 2 meses a 5 anos e meio de idade, em toda a rede de educação infantil pública e conveniada.  São cinco os domínios do desenvolvimento infantil avaliados, como comunicação e coordenação motora.

Coletivos que estudam a educação na primeira infância, como o Grupo de Trabalho (GT-7) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) se manifestam contra a iniciativa, e estão procurando mobilizar a sociedade para impedir esse processo, que consideram equivocado.

Na moção de repúdio feita pela ANPEd, os professores se posicionaram contra os métodos avaliativos de crianças de zero a seis anos, e a encaminharam para o Ministério da Educação (MEC), o Conselho Nacional de Educação (CNE), e diversos outros órgãos competentes.

O GT 07 - Educação da criança de 0 a 6 anos manifesta seu REPÚDIO à adoção de políticas públicas em âmbito nacional, estadual e municipal de avaliação em larga escala do desempenho da criança de 0 até 6 anos de idade, por meio de questionários, testes, provas e quaisquer outros instrumentos, uma vez que tais procedimentos desconsideram a concepção de Educação Infantil e de avaliação presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9394/96), nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (Resolução CNE/CEB nº 05 de dezembro de 2009) e nos Indicadores da Qualidade na Educação Infantil (2009).”

Educação como direito


O documento emitido pelo MIEIB enfatiza a defesa de políticas que reconheçam as crianças de zero a seis anos como sujeitos de direito. E ressalta que, para normatizar esta etapa da educação, já existe uma série de documentos que dão suporte legal e orientam essa oferta educacional. 



Assim, aponta, “há riscos importantes que não podemos correr neste processo de articulação de políticas”. Um deles seria a utilização de medidas avaliativas “aos moldes de avaliações de impacto em larga escala”.


É sabido que este tipo de avaliação desconsidera o processo e os insumos de fato necessários para a oferta de educação de qualidade, além de direcionar programas e currículos em uma perspectiva de viés classificatório e pernicioso para os objetivos emancipatórios da educação que se fazem necessários na realidade brasileira”. O manifesto também propõe desafios como a ampliação de vagas e a valorização do corpo docente.

A assessoria de comunicação da SAE não respondeu ao pedido de entrevista do Observatório da Educação até o fechamento desta reportagem.


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