A
proposta da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência
(SAE) de criar e integrar políticas de atenção à primeira
infância tem gerado intenso debate entre pesquisadores e
profissionais da educação infantil. O ponto polêmico da discussão
é a ideia de avaliar crianças de 0 a 5 anos (de creches e
pré-escolas) com base em um modelo que já foi adotado
pelo Rio de Janeiro, em parceria com a SAE.
“Esse
material quer exatamente avaliar crianças a partir de indicadores
restritos, repetidos. Algo que já tinha sido deixado de lado”,
afirmou Maria Letícia Nascimento, professora doutora da Faculdade de
Educação da USP e pesquisadora na área da sociologia da infância
e da educação infantil.
Segundo
a professora, medidas dessa natureza estavam em voga no país na
década de 70, e já tinham deixado de lado pelos pedagogos, sendo
retomada agora por economistas e gestores (leia entrevista com
a pesquisadora).
A SAE desenhou uma Política de
Desenvolvimento Integral na Primeira Infância, que será executada
com outros ministérios. Para apresentar publicamente essas
iniciativas para a primeira infância, a SAE realizou nesta semana o
Seminário “Cidadão do Futuro”. Foram discutidas políticas de
promoção do desenvolvimento integral na primeira infância, de
avaliação do desenvolvimento infantil, entre outras (veja a
programação completa no site
do evento).
A proposta de criar um protocolo unificado é mencionada no documento
divulgado no seminário.
Reação
dos pesquisadores
Grupos
de pesquisadores emitiram notas contra políticas públicas com esse
caráter de investimento, que pode ser visualizado na declaração da
secretária municipal da Educação do Rio de Janeiro, Claudia
Costin, durante o Seminário: “a creche agrega valor à criança
que consegue se desenvolver conforme os padrões internacionais
estabelecidos” – veiculou
Em
dois dias de debate, enfatizou a Maria Letícia, poucos pedagogos
foram ouvidos, em um mar de economistas, administradores, políticos
e cientistas de várias áreas. Em especial, o assunto de avaliação
discutido no Seminário vem de proposta aplicada previamente no Rio
de Janeiro – e que vem sendo alvo de intensas críticas de
pesquisadores, como Maria Letícia.
Chamado
de ASQ-3, o método avaliativo adotado no município do Rio de
Janeiro em parceria com a SAE é aplicado em crianças de 2 meses a 5
anos e meio de idade, em toda a rede de educação infantil pública
e conveniada. São cinco os domínios do desenvolvimento infantil avaliados, como
comunicação e coordenação motora.
Coletivos
que estudam a educação na primeira infância, como o Grupo de
Trabalho (GT-7) da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPEd) e o Movimento Interfóruns de Educação
Infantil do Brasil (MIEIB) se manifestam contra a iniciativa, e estão
procurando mobilizar a sociedade para impedir esse processo, que
consideram equivocado.
Na
moção de repúdio feita pela ANPEd, os professores se posicionaram
contra os métodos avaliativos de crianças de zero a seis anos, e a
encaminharam para o Ministério da Educação (MEC), o Conselho
Nacional de Educação (CNE), e diversos outros órgãos competentes.
“O
GT 07 - Educação da criança de 0 a 6 anos manifesta seu REPÚDIO à
adoção de políticas públicas em âmbito nacional, estadual e
municipal de avaliação em larga escala do desempenho da criança de
0 até 6 anos de idade, por meio de questionários, testes, provas e
quaisquer outros instrumentos, uma vez que tais procedimentos
desconsideram a concepção de Educação Infantil e de avaliação
presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9394/96),
nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil
(Resolução CNE/CEB nº 05 de dezembro de 2009) e nos Indicadores da
Qualidade na Educação Infantil (2009).”
Educação
como direito
O
documento emitido pelo MIEIB enfatiza a defesa de políticas que
reconheçam as crianças de zero a seis anos como sujeitos de
direito. E ressalta que, para normatizar esta etapa da educação, já
existe uma série de documentos que dão suporte legal e orientam
essa oferta educacional.
Assim,
aponta, “há riscos importantes que não podemos correr neste
processo de articulação de políticas”. Um deles seria a
utilização de medidas avaliativas “aos moldes de avaliações de
impacto em larga escala”.
“É
sabido que este tipo de avaliação desconsidera o processo e os
insumos de fato necessários para a oferta de educação de
qualidade, além de direcionar programas e currículos em uma
perspectiva de viés classificatório e pernicioso para os objetivos
emancipatórios da educação que se fazem necessários na realidade
brasileira”. O manifesto também propõe desafios como a ampliação
de vagas e a valorização do corpo docente.
A
assessoria de comunicação da SAE não respondeu ao pedido de
entrevista do Observatório da Educação até o fechamento desta
reportagem.
Reprodução: http://www.observatoriodaeducacao.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário