quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

NOTA DA CAMPANHA SOBRE O CANCELAMENTO DA CONAE

POSICIONAMENTO PÚBLICO
Brasil, 28 de janeiro de 2014
A rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, composta por centenas de entidades, movimentos e organizações de todas as regiões do país,repudia o cancelamento da etapa federal da Conferência Nacional de Educação de 2014 (Conae-2014), por decisão unilateral e arbitrária do Ministério da Educação (MEC).

O cancelamento foi comunicado ao Fórum nacional de educação (FNE) na última sexta-feira, 24 de janeiro, a menos de um mês da realização do evento, que aconteceria entre 17 e 21 de fevereiro de 2014. O colegiado decidiu reagendar a etapa federal para 19 a 23 de novembro de 2014.

Cumpre informar à sociedade brasileira que a etapa federal da Conae foi convocada pela Portaria No. 1410, de 3 de dezembro de 2012, assinada pelo Ministro de Estado da Educação, Aloizio Mercadante Oliva, e publicada no Diário Oficial da União em 4 de dezembro de 2012. Este instrumento legal determina:

“Art. 5º A II Conferência Nacional de Educação-CONAE 2014 realizar-se-á em Brasília – Distrito Federal, no período de 17 a 21 de fevereiro de 2014.”

Devido à letargia na aprovação do novo Plano Nacional de Educação (PNE) no Congresso Nacional, a Conae-2014 coincidiria com um momento decisivo para a educação brasileira: o início da etapa terminativa de tramitação da matéria na Câmara dos Deputados. Portanto, o evento seria estratégico para fortalecer a defesa do texto da Câmara, apoiado pela comunidade educacional, em detrimento da versão do Senado, defendida pelo Palácio do Planalto.

Membro titular do FNE, instância responsável pela coordenação política das edições da Conae, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, assim como os demais membros do FNE, foi surpreendida com a decisão anunciada pelo Ministério da Educação, órgão responsável pela gestão administrativa da Conferência.

Ao comunicar sua decisão, sem nunca ter antes problematizado com o FNE quaisquer preocupações quanto à realização da Conae, o MEC demonstra grave desrespeito com a participação popular, princípio político que, inclusive, consta do tema central da Conferência: “O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: participação popular, cooperação federativa e regime de colaboração”. Apoiado unicamente no poder administrativo e financeiro que detém, o MEC decidiu impor sua posição política de cancelamento contra todas as demais organizações do FNE e contra todas as expectativas de milhares de delegados, representantes de governos e organizações da sociedade civil envolvidas no processo, muitas delas membros de fóruns estaduais e municipais de educação.

Por todo o Brasil, entidades da sociedade civil e governos estaduais e municipais se esforçaram para respeitar um calendário apertado e conseguiram concluir e sistematizar, até novembro de 2013, as etapas preparatórias à Conae 2014. Do mesmo modo, os membros do FNE finalizaram, em meados de dezembro de 2013, as tarefas essenciais para a realização da Conferência. Cabe lembrar, a título de exemplo, que aos delegados eleitos nas etapas estaduais, há pouco mais de dez dias, foram solicitadas informações para as emissões das respectivas passagens aéreas, sem que sequer fosse cogitado o cancelamento.

Quando agendou a reunião dos dias 23 e 24 de janeiro de 2014, o FNE esperava acertar detalhes finais para a realização da etapa federal da Conferência. Ao invés disso, teve que lidar com a decisão unilateral do MEC. Mesmo solicitado, o Ministro da Educação, Aloizio Mercadante sequer foi ao pleno do Fórum para apresentar e debater sua decisão. Diante do impasse e do risco de não ter garantida a realização da II Conae, o FNE decidiu, por consenso, justificar em sua 20ª Nota Pública que “lamenta” o ocorrido. Por acreditar na Conae e para assegurar que o cancelamento imposto pelo MEC não viesse a desperdiçar definitivamente os esforços empreendidos nas etapas preparatórias, o FNE determinou que a etapa federal deverá ocorrer de 19 a 23 de novembro de 2014. Também expressou na Nota Pública, que diferente do ocorrido com a gestão administrativa de responsabilidade do MEC, “cumpriu com todas as etapas necessárias para a realização da etapa nacional da Conae 2014, no período de 17 a 21 de fevereiro”, demonstrando compromisso com suas responsabilidades.

Diante de todo o ocorrido e de seu contexto, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação considera imprescindível que o FNE seja rediscutido. Este Fórum deve ser reafirmado e fortalecido como um espaço de encontros, articulação de ações, monitoramento e, sobretudo, decisões sobre os temas de sua competência, como a Conae. Deve articular democraticamente e em um mesmo nível de importância representantes da sociedade civil e dos governos, o que inclusive, em princípio, deveria ser a sua peculiaridade, desrespeitada na forma unilateral como se deu o anúncio do cancelamento da etapa federal da Conferência que aconteceria em fevereiro. Portanto, é preciso que seja repensada a composição do FNE e sua gestão, que deve contar com autonomia, inclusive orçamentária.

Paralelamente, as entidades da sociedade civil precisam ampliar a interlocução e articulação entre si, com o objetivo de estabelecer maior controle social sobre as políticas públicas educacionais, o próprio FNE e a Conae.

Por último, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação expressa que o cancelamento da Conae-2014 deverá mobilizar ainda mais a sociedade civil em torno da tramitação do novo PNE. A comunidade educacional tem a certeza de que o texto da Câmara dos Deputados é melhor do que a versão do Senado Federal. Essa posição foi consensualmente firmada pelo FNE, em sua 21ª Nota Pública, que caracterizou a versão do Senado como “privatista”, “segregacionista” e contraproducente quanto à construção do Sistema Nacional de Educação.

O país exige um plano que seja a base para um Sistema Nacional de Educação democrático, plural e participativo, no qual as decisões das instâncias, conferências e fóruns sejam democraticamente respeitadas. O Brasil necessita de um “#PNEpraVALER!”, com o objetivo de consagrar o direito à educação pública de qualidade.

Por fim, faz-se imprescindível que o MEC apresente, publicamente, documentos e as respectivas contas, que, em princípio, teriam justificado o cancelamento da Conae-2014 em fevereiro, reagendada pelo FNE para novembro de 2014. As informações disponibilizadas até o momento à imprensa e ao Fórum Nacional de Educação, além de insuficientes, não justificam a arbitrária e inesperada medida do Ministério da Educação.

Assina o Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em nome de toda a rede:

Ação Educativa
ActionAid Brasil
CCLF (Centro de Cultura Luiz Freire)
Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará)
CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação)
Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente
Mieib (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil)
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)
Uncme (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação)
Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) 
Fonte: Campanha Nacional Pelo Direito à Educação

OS REAIS MOTIVOS PARA O CANCELAMENTO DA CONAE


Apesar de ter começado a participar de movimentos sociais muito jovem (tinha meus quatorze anos de idade) e ter visto muita coisa neste meio século de vida, tem momentos que ainda os acontecimentos me espantam.

Hoje à tarde recebi a notícia de que o Ministério da Educação decidiu adiar a data da II Conferência Nacional de Educação – CONAE. A mesma seria realizada de 17 a 21 de fevereiro e acontecerá agora somente após o segundo turno das eleições presidenciais.

Em nota no mínimo melancólica o Fórum Nacional de Educação, coletivo de entidades governamentais e não-governamentais socializa que as entidades organizadoras foram “comunicadas” pelo MEC do adiamento e que a desculpa teria sido questões administrativas.

Na página oficial do evento está escrito que a Conferência Nacional de Educação (CONAE) será “um espaço democrático aberto pelo Poder Público e articulado com a sociedade para que todos possam participar do desenvolvimento da Educação Nacional”. E mais, que a mesma teria como tema central “O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e Regime de Colaboração”.

E, por fim, também informa o referido site que a CONAE 2014 foi convocada pela Portaria n.º 1.410, de 03 de dezembro de 2012 e que “possui caráter deliberativo e apresentará um conjunto de propostas que subsidiará a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), indicando responsabilidades, corresponsabilidades, atribuições concorrentes, complementares e colaborativas entre os entes federados e os sistemas de ensino”.

Milhares de professores, estudantes, gestores públicos e privados e cidadãos se mobilizaram em milhares de eventos preliminares e centenas de delegados estavam arrumando as suas malas para participar da parte final do processo de discussão. Eu participei de Conferências Livres e fui delegado a Conferência Distrital do Distrito Federal e estou escalado para proferir um dos colóquios do evento.

Todas as pessoas da área da educação estão perplexas com o adiamento. Por isso arrisco desvendar os verdadeiros motivos (nem sempre publicáveis nos releases da imprensa oficial):

1.       O principal tema da I CONAE, realizada em 2010, foi justamente o Plano Nacional de Educação. A expectativas criada pelo governo (lembro das palavras proferidas pelo ex-presidente Lula na plenária final do evento) era de que as deliberações do evento seriam incorporadas no texto do Projeto de Lei a ser enviado pelo governo. Ledo engano. O PL nº 8035/2010 não incorporou os principais pontos aprovados no evento, especialmente os que mudavam o padrão de financiamento da educação nacional. Isso levou a uma grande frustração nos participantes.

2.       Durante o processo de preparação da Conferência um dos temas mais debatido foi a tumultuada tramitação do Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional. Não somente a frustração inicial, mas a postura ativa do governo federal para impedir que a mobilização da sociedade civil conseguisse melhorar o projeto governamental. Os principais conflitos no legislativo envolveram quase sempre a articulação conservadora do Ministério da Educação.

3.       A aprovação de um Substitutivo no Senado Federal a imagem e semelhança dos interesses do MEC anunciam um acirramento do conflito entre os desejos da sociedade civil, expressos nos posicionamentos das diversas entidades e os interesses do governo e de sua bancada de sustentação.

4.       Recentemente o PNE completou três anos de tramitação e não conseguiu ser aprovado a tempo de ser um “fato consumado” quando da realização da II CONAE. Assim, voltando aos seus trabalhos legislativos na primeira semana de fevereiro, a data da Conferência passou a ser coincidente com a votação final do PNE na Câmara. As manifestações das Conferências Municipais e Estaduais foram claramente favoráveis a um conjunto de propostas demonizadas pelo MEC, ou seja, o evento seria um momento de fortalecimento da luta por um Plano que tornasse a participação da União no financiamento da educação nacional mais efetiva, coisa que não interessa ao governo, absorvido com outras prioridades representativas de outros segmentos sociais (leia-se banqueiros credores de nossa dívida pública).

Não precisa ser muito inteligente para desvendar pelo menos um dos reais motivos do adiamento: o governo não quer transformar a etapa final da CONAE em palco para aumento da pressão social sobre a Câmara dos Deputados, pois tal pressão, mesmo que perfeitamente cabível numa sociedade democrática, afeta os planos e os interesses do governo.

As “questões administrativas”, caso realmente pudessem ser levadas à sério, pois o evento está previsto oficialmente, com calendário definido desde dezembro de 2012, levariam a apenas um adiamento que viabilizasse as devidas correções, nunca para o adiamento anunciado.

Por isso, é forçoso adendar um outro motivo ainda não desvendado. Estamos em ano eleitoral e a candidata-presidenta Dilma Roussef tem um sonho de consumo de difícil realização. Ela sonha com um ano tipicamente festivo, o qual seria mais ou menos assim: março teríamos o Carnaval, abril a Semana Santa, Junho todo mundo absorvido pelas emoções da Copa do Mundo, Julho todo mundo gozando as suas merecidas férias e em seguida uma tranquila e pasteurizada eleição.

Acontece que as manifestações de junho de 2013 mostraram que há, mesmo que às vezes de maneira latente, uma insatisfação com a forma de fazer política e com a falta de investimentos públicos nas políticas sociais. Quem pode se esquecer dos cartazes de nossos jovens pedindo Educação Padrão Fifa? Pois é, qual o interesse do governo em promover um evento com a participação de centenas de delegados radicalizados em favor de um Plano Nacional de Educação que aumente despesas federais, todas elas comprometidas com outros interesses?

O adiamento é um golpe na democracia e afeta violentamente a credibilidade dos espaços de participação social existentes no governo. Depois de frustrados pelo não atendimento de suas deliberações em 2010, os educadores e estudantes agora são golpeados no seu direito líquido e certo de expressar a indignação diante do retrocesso que representou o Substitutivo do PNE aprovado no Senado Federal. E, de quebra, impedem que estes delegados e delegadas expressem a insatisfação nacional com os excessivos e descontrolados gastos com a Copa do Mundo.

O adiamento da CONAE mostra o quanto era irreal o slogan do próprio evento. Como falar de ‘participação popular” sem deixar que o povo possa se expressar livremente? Como falar de “regime de colaboração” se toda ação federal é para impedir qualquer revisão do seu papel no cumprimento das metas do PNE e do respectivo financiamento educacional?

Este é um daqueles momentos que os cidadãos esperam das entidades da sociedade civil muito mais do que notas melancólicas. A passividade diante deste golpe na democracia significará algo parecido com a conivência e a cumplicidade. E reforçará o sentimento de nossos jovens de que cada vez mais nossas entidades se identificam com os interesses dos partidos tradicionais que suas lideranças pertencem.

CONAE: Emerildo e seu fevereiro vermelho


Publicado em 25/01/2014por Luiz Carlos de Freitas
Emerildo é um idiota e toda vez que o MEC anuncia que haverá uma Conferência Nacional de Educação – CONAE – ele acredita. Desta vez ele passou o ano de 2013 inteirinho preparando-se para em fevereiro próximo ir à II CONAE. Já estava de mala pronta. Ia até aproveitar para viajar uma semana antes e passar no VI Congresso do MST que vai reunir 15.000 pessoas entre 10 e 14 de fevereiro e já ficaria para a II CONAE em Brasília mesmo, de 16 a 21 de fevereiro, que reuniria 4.000 pessoas. Ia ser um “fevereiro vermelho”…
Já não é a primeira vez que ele cai neste conto: em 2010 ele ficou uma semana inteira em Brasília para definir as recomendações da I CONAE porque elas seriam usadas na elaboração do Plano Nacional de Educação pelo governo. Nunca foram usadas. Ele até hoje não sabe disso.
Mas Emerildo é desavisado mesmo e ao ver que a conferência é preparada pelo Fórum Nacional de Educação com um montão de entidades da área educacional, toda vez ele consegue ficar animado, volta para seu Estado e prepara os Encontros Municipais e o Estadual, propõe emendas, etc. Ele agora ficou surpreso com o adiamento da próxima CONAE. Deu até pena.
Entretanto, Emerildo é uma boa alma. Ele leu o comunicado do Fórum Nacional de Educação adiando a conferência e ficou em paz, afinal foi o Fórum que comunicou o cancelamento, e não o MEC. Todos assinaram, devem, é claro, ter concordado, pensa ele – portanto, deve haver uma boa razão. Pensa que a conferência foi democraticamente adiada por todos e isso é o que importa. “Sem autoritarismos” – diz ele.
Ele não entende nadinha de política: ele não percebe que o Fórum foi feito de bobo duas vezes seguidas: primeiro quando o MEC impôs ao Fórum o adiamento da reunião, e depois, quando fez o próprio Fórum comunicar o “adiamento democrático”. A imprensa que ele lê assiduamente não ajuda, pois ela diz que o “Fórum Nacional de Educação comunicou o adiamento”. Ele acredita, pois pensa que as entidades, se não concordassem, poderiam ter tirado o nome do comunicado, feito um comunicado paralelo, criado o Fórum do B, etc. Ele sabe que duas ou três discordaram na imprensa, mas são a minoria, pensa ele. São do contra.
Ele também não consegue relacionar o debate do Plano Nacional de Educação – PNE – no Congresso com o adiamento da CONAE. É muito para ele, um sujeito de boa fé, afinal. Para ele são coisas diferentes e não devem ser confundidas – além disso o PNE vai ser votado só ao final do ano, ele pensa, e isso não compromete o debate. Ao contrário, acha que terão mais tempo e isso vai até contribuir para aprofundar o debate na Câmara.
Não vê que para um governo que já não levou em conta as recomendações da I CONAE, ter agora as recomendações da II seria um problema pois ia dar na vista não levar em conta pela segunda vez e isso em um ano de eleição. E se os deputados levarem a sério a II CONAE? E se o PSDB – oposição do governo – que tem ouvido a comunidade educacional e até propôs mudanças interessantes quando o projeto passou pelo Senado, resolvesse se apoiar nas recomendações da II CONAE nos debates da Câmara?
Mas Emerildo prefere acreditar que a culpa deve ser de alguma licitação mal feita. Ou então, é austeridade. Afinal temos que economizar recursos e dar o exemplo – insiste ele.
Para complicar, ele ouviu o discurso da Presidenta em Davos esta semana dizendo aos empresários do mundo que a educação é uma prioridade de seu governo, que vai aumentar a produtividade, etc – e agora ninguém consegue mudar a opinião de Emerildo.
Além de idiota e desavisado, ele é desprevenido. Nunca tem à mão seu kit palhaço para usar nestas ocasiões. Qualquer boa loja em Brasília dispõe desta facilidade. O kit tem um nariz de palhaço, variadas tintas para pintar o rosto, uma touca para simular a careca de palhaço, entre outros artefatos.
Vou recomendar a Emerildo que tenha sempre à mão seu kit palhaço e o use. Acho que ele não vai entender bem, mas pelo menos ele fica mais próximo da realidade. Quando outra vez ele disser que o Fórum Nacional de Educação adiou uma CONAE, vão achar que ele está brincando de palhaço. Ele não vai passar tanta vergonha.
 (Emerildo é um personagem de Elio Gaspari na Folha.)
Fonte:http://avaliacaoeducacional.com/2014/01/25/conae-emerildo-e-seu-fevereiro-vermelho/