Maria
Letícia Nascimento é professora doutora da Faculdade de Educação
da USP e pesquisadora na área da sociologia da infância e da
educação infantil. Participa do Fórum Paulista de Educação
Infantil e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPEd).
Por
essa última faz parte de Grupo de Trabalho (GT) nº7, que emitiu moção de repúdio
à adoção de políticas públicas em âmbito nacional, estadual e municipal de
avaliação em larga escala do desempenho da criança de zero até 6 anos de idade.
Leia a seguir a entrevista que concedeu ao Observatório.
Observatório da Educação - Existem problemas
na avaliação para crianças que está sendo proposta?
Maria Letícia Nascimento - Há muitos anos, na década de
50 e 70, dentro e fora do Brasil, havia uma proposta cuja síntese era a educação
compensatória, mas era uma educação que se pautava pela ideia de “criança
universal”. Que acreditava que todas as crianças são exatamente iguais do ponto
de vista do desenvolvimento.
Se uma criança faz uma coisa em um momento,
todas farão. E essa criança universal era fruto de pesquisas científicas, à
medida que essa pesquisa tirava o contexto, a imagem da criança universal era
generalizada, e se aplicava a todas as crianças.
Inventava-se material, formação, uma série de
coisas, de maneira que todas as crianças correspondessem à idealização.
Pesquisas posteriores perceberam que a ideia de criança universal não existe,
você pode ter indicativos do que as crianças são capazes de fazer do ponto de
vista físico, linguagem, mas nem todas passam pelas mesmas coisas ao mesmo
tempo. Esse material que chegou quer exatamente avaliar crianças a partir de
indicadores restritos, repetidos. Isso que já tinha sido deixado de lado.
Esse material não pode ser usado na educação. A
gente não é professor para medir se ela [criança] já é capaz de fazer uma coisa
ou outra, mas para promover situações em que elas possam brincar, interagir e
ter acesso ao mundo cultural dos adultos, para que elas produzam sua própria
cultura.
Não é neurociência que entende a criança
pequena. Nós da educação temos condição de entender a criança em contexto de
educação. Estão deixando a pesquisa de educação de lado. Estão vendo crianças
como objetos. Você lubrifica aqui, troca o óleo e as crianças vão funcionar
durante muito tempo. Elas estão virando objetos de novo, deixaram de ser
sujeitos.
Observatório – Se é retrógrado, por que
ressurge nesse momento?
Maria Letícia – Se imagina que esse tipo de
situação seja uma saída para países desiguais como o nosso, porque vai trabalhar
desse jeito com crianças pobres, é investimento. Os economistas compraram a
ideia. Apostam que o grande investimento no país é investir na primeira
infância. Acho que estão corretos teoricamente, mas para eles isso é conseguir
controlar criança dentro de uma perspectiva de desenvolvimento
igual.
Outro dia recebi propaganda de livro chamado
“Como Investir na Primeira Infância” (Singular, 2011, 308 páginas), escrito por
economistas. É um investimento, os economistas compraram a ideia da
neurociência. É possível ganhar dinheiro com isso. É uma situação que nos deixa
atônitos.
Ninguém imaginou que viria agora com essa
força, e ninguém está preocupado com uma pesquisa que tem sido feita sobre
crianças pequenas a não ser na área da neuropsicologia cognitiva e na economia.
São as três áreas unidas para propor controle do desenvolvimento das
crianças.
Crianças serão avaliadas [com referência a]
essa criança idealizada. Se a criança é prematura, você tem que descontar dois
meses. São 7 meses, mais 15 dias... É algo funcional. Crianças que convivem
juntas, ou que eu e você aprendemos não é considerado, é considerada a idade
delas. Pode ser interessante isso pensar em investimento, o povo da saúde que
gosta de controlar. Dentição etc., controla as coisas todas, mas para educação
isso não tem o menor sentido.
Temos instrumento construído pelos pedagogos,
especialistas da área, para avaliação, auto-avaliação, os Indicadores de
Qualidade na Educação Infantil. Onde se avalia contexto, não se avalia crianças.
O que a gente tem que avaliar são contextos em que as crianças podem interagir e
tudo isso. Nem todas as crianças se desenvolvem do mesmo jeito.
Tem um sociólogo dinamarquês de que gosto
muito, Jens Qvortrup. Ele diz que costumam achar que crianças são máquinas, onde
você coloca coisas e elas saem do jeito que você programou. Tem “input” e
“output”, mas isso é ilusório, porque, como ele diz, as progressões gostam de
entender crianças como máquinas triviais. Se fossem, o mundo não teria evoluído,
teria parado no que se ensina na escola. Esse tipo de procedimento reduz as
potencialidades das crianças, a quem controlam com tanto critério, que acabam
perdendo de vista as crianças reais.
Observatório – Algum tipo de avaliação para
a educação infantil é necessária?
Maria: A educação infantil nunca teve avaliação como tema,
porque a área ficou traumatizada por conta da avaliação de crianças feitas na
década de 70. As pessoas ficaram receosas de trabalhar com esse
tema.
Mas três ou quatro anos atrás, o MEC chamou um
grupo de especialistas para montar indicadores de qualidade para educação
infantil, que constituiu um livro que traz diferentes dimensões do que deve ser
avaliado. É uma auto-avaliação e não é obrigatória, foi distribuída pelo Brasil
inteiro. Existe intenção, sim, do MEC, em mudar essa política de avaliação da
educação infantil. Avaliação, mas não das crianças, da
educação.
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